sexta-feira, agosto 25, 2006

Jorge Luís Borges


Instantes - Poema de Jorge Luis Borges

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo do que tenho sido, na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiénico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não perca o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem ter um termometro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um paraquedas; se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria até o final do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças. Se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo...


Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires a 24 de Agosto de 1899 e morreu em Genebra a 14 de Junho de 1986, foi escritor, poeta e ensaísta.

5 comentários:

APC disse...

Olhar para trás com uma tremenda vontade de viver a vida de novo, porque agora juramos saber o segredo, e ter pela frente apenas o fim dela...!...

Sabes... Tive o prazer de privar diariamente com muitos idosos (http://camuflagens.blogspot.com/2006/05/instante.html).
E todos, mas todos os dias, eu regressava a casa a pensar nas palavras que alguns deles faziam a maior da questões em oferecer-me por conselho do coração... Para que eu as ouvisse e acreditasse.
E eu ouvi. E acreditei.
Ainda que todas as vidas sejam demasiado diferentes umas das outras, apenas tão comuns na sua repentina finitude...
Ainda assim, cedo me fiz "dessas"... A quem pouco importam os detalhes, a ordem, o rigor, quando outros valores mais altos se levantam e não se podem limitar, arrumar, entender... Porque há um segredo nas coisas que receámos viver: elas eram um convite.

PS - A passagem da higiene remeteu-me para uma composição que fiz em garota, a mando da professora. Não me lembro que nome lhe dei, mas nela eu dizia que os verdadeiros prazeres sujam:
O pintor que se sente no que pinta toma a textura das suas tintas entre os dedos; o agricultor que ama a terra, segura-a entre as mãos para a cheirar; e depois há os amantes, os verdadeiros, os que se entranham um no outro ao infinito, em busca do uno vital...

E não há nada que água e sabão não lave...
... Apenas a sujidade da alma!

Beijinhos para ti.

Tia Cremilde disse...

bela lição de vida...

Unknown disse...

APC adorei o teu comentário o qual fiquei sem palavras

Anônimo disse...

Paulita
A apc terá ficado consolada por tu adorares o que ela escreveu mas nós ficámos todos menos enriquecidos na ausência do teu comentário.
Refugiarmo-nos na gasta e estéril expressão "fiquei sem palavras" (repara quantas pessoas entrevistadas a usam na TV) pode significar ser vazio e não ter nada para dizer, ou ser preguiçoso e não querer fazer um esforço de partilha. Em ambos os casos é melhor evitar a expressão e dizer mesmo qualquer coisa pensada.
Concordas?
Beijo FERIAL!!!

Unknown disse...

Zé claro que concordo, e acho que tem a ver mais com o facto de ser preguiçosa. Então cá vai, o comentário à APC, voltar a viver de novo, não será solução para ninguém, pk o fim seria sempre o mesmo, o "segredo" não existe, a vida é tal qual nós a fazemos, revivê-la só em pensamentos e nunca voltar atrás, o desgaste de tantos voltar atrás pode fazer com que o passado não vá embora e fique.Adorava ainda hoje poder ouvir alguns conselhos dos meus parentes mais velhos do que eu, na altura que eles me eram dados eu não os aceitei, hoje sem dúvida teria tanto a aprender... mas dos tempos passados eu não quero lembrar, vivo com o meu presente, e tenho a certeza de que hoje tudo o que ouço, embora não pareça, me fica cá dentro, e se hoje não for lá buscar, vou amanhã. Não duvido que na minha vida a falta de orientação espiritual me tenha levado a cometer graves falhas, mas é por isso que hoje eu me sinto melhor porque tou a tentar voltar a um trilho que me dá mais estabilidade, preciso de espiritualidade na minha vida, esse é um dos valores porque me rejo. E sinto dentro de mim o tal convite, de me aproximar mais e mais de mim e da minha parte espiritual, quebro algumas vezes, mas luto para continuar.